Teve lugar o 30 de maio. Os oficiais da Inquisição, precedidos por trombetas, timbales e sua bandeira, desfilaram a cavalo até o lugar da praça maior, onde fizeram a proclamação de que o 30 de junho se executaria sentença contra os presos... Toda a corte da Espanha estava presente nesta ocasião. O grande trono do inquisidor foi situado numa espécie de estrado muito por acima do rei.
Entre os que seriam queimados encontrava-se uma jovem judia de deliciosa formosura, de somente dezessete anos. Encontrando-se ao mesmo lado do patíbulo em que estava a rainha, dirigiu-se a ela com a esperança de conseguir o perdão, com as seguintes patéticas palavras: "Grande rainha: não me será vossa régia presença de algum serviço em minha desgraçada condição? Tende compaixão de minha juventude, e, ah, considerai que estou a ponto de morrer por uma religião na que fui ensinada desde a minha mais tenra infância!". Sua majestade parecia compadecer-se muito de sua angústia, porém desviou seu olhar, porque não se atrevia a dizer uma palavra em favor de uma pessoa que tinha sido declarada herege.
Agora começou a Missa, em meio da qual o sacerdote acudiu desde o altar, ficou perto do patíbulo, e sentou numa cadeira disposta para ele.
Então o grande inquisidor desceu desde o anfiteatro, vestido com sua capa, e com uma mitra na cabeça. Depois de inclinar-se diante do altar, se dirigiu até o palco do rei, e subiu a ele, assistido por alguns dos oficiais, levando uma cruz e os Evangelhos, com um livro contendo o juramento mediante o qual os reis da Espanha se obrigavam a proteger a fé católica, a extirpar os hereges, e a sustentar com todo seu poder as atuações e os decretos da Inquisição; um juramento semelhante foi tomado dos conselheiros e de toda a assembléia. A Missa começou às doze do meio-dia, e não acabou até as nove da noite, alargada por uma proclamação das sentenças de vários criminosos, que tinham sido já pronunciadas por separado em alta voz, uma após outra.
Depois disto seguiu-se a queima dos vinte e um homens e mulheres, cujo valor nesta horrenda morte foi verdadeiramente assombroso. O rei, por sua situação perto dos condenados, pode ouvir muito bem seus estertores enquanto morriam; não obstante não pôde ausentar-se desta terrível cena, por quanto era considerado um dever religioso, e por quanto seu juramento de coroação o obrigava a dar sanção, com sua presença, a todos os atos do tribunal.
O que já dissemos pode ser aplicado às inquisições em geral, assim como à da Espanha em particular. A Inquisição de Portugal agia exatamente sob o mesmo plano daquela da Espanha, tendo sido instruída numa época mui semelhante, e colocada sob as mesmas normas. Os inquisidores permitem que se empregue tortura somente três vezes, mas nestas ocasiões é infligida de maneira tão severa, que o preso ou morre nela, ou fica impedido para sempre, e sofre as mais severas dores a cada mudança de tempo. Daremos uma ampla descrição dos terríveis tormentos ocasionados pela tortura, em base do relato de um que a sofreu as três vezes, mas que felizmente sobreviveu às crueldades sofridas.
Na primeira tortura, entraram seis carrascos, o despiram deixando-o em cueca, e o colocaram sobre sua espalda numa espécie de plataforma elevada uns poucos pés sobre o chão. A operação começou colocando em volta de seu pescoço um anel de ferro, e outros anéis em cada pé, o que o fixou na plataforma. Estando assim estirados seus membros, amarraram duas cordas em volta de cada coxa, que passando sob a plataforma por meio de buracos para este propósito, foram esticadas ao mesmo tempo, por quatro dos homens, ao dar-se o sinal.
É fácil conceber que as dores que lhe sobrevieram de imediato eram intoleráveis; as cordas, de pequena grossura, cortaram através da carne do preso até o osso, fazendo que brotasse o sangue em oito lugares distintos assim ligado ao mesmo tempo. Ao persistir o preso em não confessar o que demandavam os inquisidores, as cordas foram esticadas desta forma quatro vezes sucessivas.
A maneira de infligir a segunda tortura foi como segue: forçaram-lhe os braços para trás de modo que as palmas das mãos ficassem giradas para fora detrás dele; então, por meio de uma corda que as amarrava pelas munhecas, e que era puxada por um torno, as aproximavam gradualmente entre si de modo que se tocassem os dorsos das mãos e ficassem paralelas. Como conseqüência desta violenta contorção, seus dois ombros ficaram deslocados, e lançou uma considerável quantidade de sangue pela boca. Esta tortura se repetiu três vezes, depois do qual foi novamente levado à masmorra, onde o cirurgião lhe re-colocou os ossos.
Dois meses depois da segunda tortura, o preso, já algo recuperado, foi de novo conduzido à câmara de torturas, e ali, por última vez, teve de sofrer outro tipo de tormento, que lhe foi aplicado duas vezes sem interrupção alguma. Os verdugos colocaram uma grossa corrente de ferro em volta de seu corpo que, cruzando pelo peito, terminava nas munhecas. Depois o colocaram com as costas contra uma tábua grossa, em cada um de cujos extremos havia uma polia, através da qual corria uma corda que estava amarrada ao final da corrente em suas munhecas. Então o carrasco, estendendo a corda por meio de um torno que estava a certa distância detrás dele, pressionava ou achatava seu estômago em proporção à tensão que dava aos extremos das correntes. O torturaram de tal modo que lhe deslocaram por completo as munhecas e os ombros. Logo foram colocados novamente em seu lugar pelo cirurgião. Mas aqueles desalmados, não satisfeitos ainda com esta crueldade, fizeram-lhe de imediato sofrer este tormento por segunda vez, o que suportou (embora foi, se isso for possível, mais doloroso ainda), com a mesma integridade e resolução. Depois foi de novo enviado à masmorra, assistido por um cirurgião para que curasse suas feridas e ajustasse seus ossos deslocados, e ali ficou até seu auto de fé ou a sua liberação do cárcere, quando foi liberado, impedido e doente de por vida.
"E, havendo aberto o quinto selo, vi debaixo do altar as almas dos que foram mortos por amor da palavra de Deus e por amor do testemunho que deram. E clamavam com grande voz, dizendo: Até quando, ó verdadeiro e santo Dominador, não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?" (Apocalipse 6: 9-10)
Extraído de "O Livro dos Márites", John Fox.
Os Mártires da Fé - Uma História da Inquisição - Parte1
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