quarta-feira, 14 de abril de 2010

Por que interpretamos errado as Escrituras?


Durante o tempo do ministério de Jesus, os próprios discípulos às vezes falharam no entendimento do AT e até de seus ensinos; "Jesus, porém, disse: Até vós mesmos estais ainda sem entender?" (Mateus 15.16). Embora isso algumas vezes se deva ao fato de que eles simplesmente precisavam esperar por eventos adicionais na história da redenção, e especialmente na vida do próprio Cristo: "Os seus discípulos, porém, não entenderam isto no princípio; mas, quando Jesus foi glorificado, então se lembraram de que isto estava escrito dele, e que isto lhe fizeram" (João 12.16).

Houve também ocasiões em que isso aconteceu devido à própria falta de fé deles ou à sua dureza de coração: "E ele lhes disse: O néscios, e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram!" (Lucas 24.25). Além disso, houve momentos na igreja primitiva quando os cristãos não entenderam ou não concordaram com os ensinos do AT ou a respeito das cartas escritas pelos apóstolos: observe o processo de crescimento em entendimento quanto às implicações da inclusão dos gentios na igreja (culminando em “muita discussão” no Concílio de Jerusalém em Atos 15: "E, havendo grande contenda, levantou-se Pedro e disse-lhes: Homens irmãos, bem sabeis que já há muito tempo Deus me elegeu dentre nós, para que os gentios ouvissem da minha boca a palavra do evangelho, e cressem" (At 15.7).

Observe o entendimento errôneo que Pedro teve desse assunto em Gálatas 2.11-15: "E, chegando Pedro à Antioquia, lhe resisti na cara, porque era repreensível. Porque, antes que alguns tivessem chegado da parte de Tiago, comia com os gentios; mas, depois que chegaram, se foi retirando, e se apartou deles, temendo os que eram da circuncisão. E os outros judeus também dissimulavam com ele, de maneira que até Barnabé se deixou levar pela sua dissimulação. Mas, quando vi que não andavam bem e direitamente conforme a verdade do evangelho, disse a Pedro na presença de todos: Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus? Nós somos judeus por natureza, e não pecadores dentre os gentios". De fato, no decorrer de toda a história da igreja, as discordâncias doutrinárias têm sido muitas, e o progresso na resolução dessas diferenças doutrinárias foi muitas vezes lento.

A fim de ajudar as pessoas a evitar erros na interpretação da Escritura, muitos professores de Bíblia têm desenvolvido “princípios de interpretação”, ou orientações para encorajar o crescimento na habilidade de interpretar a Escritura corretamente. A palavra hermenêutica (do grego hermeneuõ, “interpretar”) é o termo mais técnico para esse campo de estudo: Hermenêutica é o estudo dos métodos corretos de interpretação (especialmente a interpretação da Escritura).

Outro termo técnico muitas vezes usado nas discussões sobre a interpretação bíblica é exegese, termo que se refere mais à prática real de interpretar a Escritura, não às teorias e princípios a respeito de como isso deveria ser feito: Exegese é o processo de interpretar o texto da Escritura. Conseqüentemente, quando alguém estuda os princípios de interpretação, isso é chamado “hermenêutica”, mas quando a pessoa aplica esses princípios e começa realmente a explicar o texto bíblico, ele está fazendo “exegese”.

A existência de muitas discordâncias a respeito do significado da Escritura no decorrer de toda a história nos lembra que a doutrina da clareza da Escritura não implica ou sugere que todos os crentes haverão de concordar em todos os ensinos da Escritura. Não obstante, ela nos diz algo muito importante, que o problema sempre repousa não na Escritura, mas em nós mesmos. Afirmamos que todos os ensinos da Escritura são claros e passíveis de ser entendidos, mas também reconhecemos que as pessoas muitas vezes (por causa de seus defeitos) entendem erroneamente o que está claramente escrito na Escritura.

Portanto, à medida que as pessoas crescem na vida cristã, adquirindo mais conhecimento da escritura conforme gastam tempo estudando-a, haverão de entendê-la melhor. A doutrina da clareza da Escritura diz que a Escritura é passível de ser entendida, não que todos a entenderão igualmente.

A doutrina da clareza da Escritura tem uma implicação prática muito importante e extremamente encorajadora. Ela nos diz que onde há áreas de discordância doutrinária ou ética (por exemplo, sobre o batismo, predestinação ou governo da igreja), há somente duas causas possíveis de discordância:

1) De um lado, pode ser que estejamos procurando fazer afirmações onde a Escritura silencia. Em tais casos, devemos estar mais preparados para admitir que Deus não tem dado resposta à nossa investigação e permitir que haja diferentes perspectivas dentro da igreja. (Esse muitas vezes é o caso com respeito a diversas questões práticas, como métodos de evangelização, estilos de ensino bíblico ou tamanho apropriado de igreja).

2) De outro lado, é possível que tenhamos cometido erros em nossa interpretação da Escritura. Isso pode ter acontecido porque os dados que usamos para decidir uma questão de interpretação foram inexatos ou incompletos. Ou isso se deve a algumas insuficiências pessoais de nossa parte, como orgulho pessoal, avidez, falta de fé, egoísmo, ou mesmo falha em dedicar tempo suficiente à leitura e estudo da Escritura acompanhados de oração.

Mas em nenhum caso somos livres para dizer que o ensino da Bíblia sobre qualquer assunto seja confuso ou não seja passível de ser entendido corretamente. Em nenhum caso devemos pensar que as discordâncias persistentes sobre algum assunto no decorrer da história da igreja signifiquem que não sejamos capazes de chegar à conclusão correta sobre a questão. Antes, se a preocupação genuína a respeito de tal assunto surge em nossa vida, devemos sinceramente buscar a ajuda de Deus e, então, ir à Escritura, pesquisando com toda a nossa aptidão, crendo que Deus irá nos capacitar para termos o entendimento correto.

Fonte: Wayne Grudem, Teologia Sistemática. Estudos Bíblicos - Sola Scriptura.

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