sábado, 12 de dezembro de 2009

Memórias do Cárcere - Shi Weihan


CHINA - O que se passa na mente de um réu um dia antes de seu julgamento? Numa carta escrita em sua cela, Shi Weihan nos dá a oportunidade de reviver com ele os eventos de 10 de junho, dia em que foi condenado.
Os guardas da prisão não me falaram nada do julgamento. Naquele dia, fui intimado tão rapidamente, depois do desjejum, que não tive tempo de me trocar. Acabei indo no uniforme amarelo da prisão.
Na van que me levaria ao tribunal estavam outros 15 prisioneiros – seis espremidos de cada lado, e três encolhidos no centro – todos com as mãos algemadas atrás das costas. Vi mais duas vans com mais 15 presos em cada. Um jipe com policiais do tribunal escoltavam o comboio. Não podíamos conversar na van, mas pudemos ouvir o diálogo entre os policiais: só eu seria julgado no “Fórum do Colegiado”; os demais seriam julgados no “Fórum Simples”.

Orando pelo caminho

Fiquei orando durante todo o trajeto, entregando-me totalmente a Deus. Ouvi então essas palavras: “Você faz parte do meu plano. Cada passo que você der o levará para mais perto da vitória. Você é meu filho; a minha graça lhe basta”. Meus olhos se encheram de lágrimas, tentei disfarçá-las o máximo que pude. Então orei: “Seja qual for a sua vontade, Senhor, por favor, me dê forças!”.
Os motoristas da van estavam a toda velocidade. De repente, duas vans frearam bruscamente. Foi tão forte que as algemas me cortaram. Naquele momento, me senti sendo tratado pior que um porco. Durante dois meses eu estivera isolado do resto do mundo. Mas não me senti animado a olhar as ruas e a cidade ao meu redor. Ficava orando para não passar mal dentro da van.

No porão do tribunal

Logo chegamos ao porão do fórum. Alguns policiais vieram e nos levaram para dentro, em fila única. No porão, algemaram as minhas mãos pela frente e me trancaram em um cubículo com uma tela de vidro, enquanto os outros prisioneiros eram divididos em grupos de sete ou oito pessoas, e trancados em outros cubículos. Sentei em um banco para descansar, esperando que as náuseas passassem.
Os policiais do tribunal se reuniram em frente aos cubículos para receber instruções. O ar estava carregado de tensão. Respirei mais devagar para tentar ouvir a conversa deles. O polícia encarregado deu aos demais um pequeno bastão elétrico e lhes orientou: “Se algum prisioneiro não aceitar a decisão do juiz, não bata nele dentro da sala de audiência. Faça isso depois que o trouxer ao porão. Entenderam?”. Eles responderam em uníssono: “Entendido”.
Depois que foram liberados, diversos policiais testaram seus bastões. O estalo das faíscas chegou aos meus ouvidos. Era um som apavorante. Um pensamento me sobreveio: “Se eu for o único a ser sentenciado, por que há tantos policiais?”. Foi como um mau presságio.

Entrando na sala de audiências

A policial me chamou três vezes. Ela parecia tão séria que me perguntava se esse seria um bom sinal. Qual seria a duração da minha sentença? Será que eu seria inocentado? Ou receberia um ano e meio, três, cinco, oito, dez anos? Qualquer coisa era possível. Mas eu dizia a mim mesmo que era um servo de Deus com a consciência limpa – nunca falhei com meu país, sua sociedade, seu povo e sua igreja!
Ouvi meu nome pela quarta vez. Respondi que estava no primeiro cubículo e dois policiais abriram a tela de vidro e me levaram para fora. No primeiro andar, me fizeram agachar de frente a uma parede, com a cabeça curvada. Um guarda alto e robusto veio e tirou uma fotografia desagradável para o meu perfil: descalço, com o uniforme amarelo e com a cabeça curvada em direção da parede.
O juiz chegou cercado por policiais uniformizados. Eles trocaram algumas palavras e entregaram à secretária do tribunal um documento, instruindo-a depois a me trazer para a sala.
Um guarda me empurrou com violência para o chão antes de soltar minhas algemas. Finalmente entrei na sala de audiência, seguido por Tian e outros cinco funcionários da gráfica. Orei: “Senhor, me dê forças”.
Dois policiais me seguraram pelos ombros e me escoltaram para a cadeira do réu. Olhei rapidamente para o rosto das pessoas sentadas do outro lado e vi meus pais, Zhang Jing [esposa de Weihan]... Senti muita saudade deles.
Uns minutos depois, o juiz entrou na sala. Ele fez duas perguntas curtas e depois nos mandou ficar em pé para recebermos nossas sentenças. Mas eu não consegui ouvir o que ele dizia. Minhas emoções estavam em polvorosa, pois eu fiquei muito feliz em ver minha família de novo. Tentei me acalmar e conter as lágrimas que me enchiam os olhos.
Quando o juiz disse meu nome, fui trazido de volta à realidade. “Três anos de prisão e multa de 150 mil yuans”, ele disse. Aceitei a sentença com calma. Estava esperando ser condenado a 12 anos de prisão, no mínimo, por causa das 2,5 milhões de Bíblias que foram descobertas e das 10 milhões que já haviam sido distribuídas. Três anos eram aceitáveis – passariam num piscar de olhos. Se o governo queria ser tolerante, deveriam ter feito algo antes. Esse caso foi complicado para eles também.
Depois que cada um de nós escutou sua sentença, fomos algemados de novo para sair do tribunal. Virei-me para ver minha família, levantei a mão, acenei para eles e sorri. Embora não tivéssemos trocado nenhuma palavra, meus olhos comunicaram a bênção de Deus a eles. Seremos fortes no Senhor!
O guarda me puxou pelas mãos, para me fazer sair rápido. Ao baixar as mãos e me virar para ir embora, ouvi minha esposa dizer bem alto: “Shi, eu amo você!”. Dessa vez não conseguir segurar o choro. Sai da sala com a cabeça baixa, e sem olhar para trás, porque não queria que minha esposa e meus pais vissem o marido e filho deles chorando.

“Três anos em troca de milhões de almas”

Fomos levados de volta aos cubículos no porão. Ninguém resistiu, então os policiais não tiveram oportunidade de usar seus bastões elétricos.
Sozinho de novo em meu cubículo, não tinha por que segurar as lágrimas. Então chorei até não haver mais lágrimas. Enquanto me acalmava, me ajoelhei de frente para a parede e agradeci meu Pai. Ouvi a mesma voz soando de novo e de novo em meus ouvidos: “Meu filho, a minha graça lhe basta”.
Na volta para a prisão, aproveitei o cenário e observei as pessoas na rua. Eu podia dizer sinceramente em meu coração: “Senhor, tu és tremendo!”. Passei o resto do dia em alegria.
Falta só um ano para eu voltar à minha família. Três anos de prisão em troca de milhões de almas – vale totalmente a pena! Uma porção das Escrituras que tem me fortalecido veio-me à mente:
De todos os lados somos pressionados, mas não desanimados; ficamos perplexos, mas não desesperados; somos perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não destruídos. Trazemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo. Pois nós, que estamos vivos, somos sempre entregues à morte por amor a Jesus, para que a sua vida também se manifeste em nosso corpo mortal. De modo que em nós atua a morte, mas em vocês, a vida (2 Co 4.8-12)

Shi agradece seus intercessores

“Queridos irmãos no Senhor,

Que a paz esteja com vocês. Estou escrevendo para expressar minha gratidão a vocês, de todo o mundo, que têm orado por minha esposa e por mim. Já faz mais de um ano que eu fui preso. Pelo vale da sombra da morte, senti a presença de vocês comigo. Juntos, temos andado pelo deserto. Agora vemos a luz da esperança e nos alegramos com a descoberta de um oásis.
Obrigado por seu apoio e amor devotado durante esse período de dificuldades. Que vocês sejam ricamente abençoados pelas janelas do céu, e que vocês sejam bem-sucedidos em tudo o que fizerem. Glórias sejam ao nosso Deus!”.

Testemunho extraído do site Missão Portas Abertas

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